terça-feira, 14 de abril de 2009

"Ele"

Às vezes, apetece-me rasgar o espaço que há entre nós. Apercebo-me de que somos afastados pela palavra "Amigo", à medida que somos aproximados pela palavra "Amante". Escrevo-te, vezes sem conta, buscando carinho nas palavras que ficam por escrever. Quando o faço, vasculho-me desordenadamente, e o sorriso com que me presenteavas faz-me voltar a casa, ao nosso refúgio. Saboreio, novamente, a dor que me fazes sentir. Aproximo-me e vejo-te, já ao longe, de faca em punho, pronto para a luta sanguinária das nossas almas. Que diferença sinto ao olhar-te agora! Quando volto àquilo que era nosso, observo um vazio gigante, um nada infinitamente pequeno. Aliás, já nem a palavra "nosso" faz sentido. Não partilhamos nada, só as poucas recordações com que viverei até esquecer o ciúme da felicidade que vivi outrora. Agora só quero caminhar, livre de ti. Caminhar de mãos dadas comigo. Caminhar sem rumo, com destino à felicidade. Quero saltar descontroladamente, gritar "Basta!" vezes sem conta, para, depois, cair estafada no chão frio da rua, esperando o aconchegar do abraço do meu espírito. O caminho é longo, não quero perder tempo. Ainda assim, antes, há algo de que não posso fugir. O espaço que ainda nos une está cheio de restos do passado. Chuta-os, para longe, e não te zangues se me apetecer rasgar o resto. Cicatriza-me o palmo e meio de sangue que me escorre pelo braço, ou, se preferires, rasga-me a alma, por favor. Parte-a em dois pedaços ou três. Deixa que o sangue se esvaie por entre os nossos dedos. Fá-lo, mas fá-lo duma vez, porque, agora, à medida que em finos fios me desfazes a alma, a dor corrói-me os ossos, e o sorriso que anteriormente me fazia sorrir, agora chama pelas lágrimas que destes olhos já secaste. Sinto, sim, sei que o que julguei sincero em tempos, hoje faz-me doer o espírito, e o sorriso e as saudades. Doem-me as saudades de não te ver, enquanto me esfaqueias uma vez mais. Quando no meu corpo tocavas, chamando-me amante dos tempos vazios, nunca à alma me chegaste. Hoje, cai-me o sangue das mãos e no teu olhar vejo a fúria medíocre de um amante traído. Agora, que na alma me feres, rasgas-me a vida, sugas-me o sangue, sem que no corpo me penetres, com a espada afiada que possuis. Porque, se fui amante no corpo, na alma pó sou. Aos teus olhos, sou cadela vagabunda, em que pegas sem dó quando queres. Esqueces-te, ainda assim, de que o animal és tu, que dos dentes afiados te serves para me perfurares a vida. Vai, por favor. Porque se de metáfora me mascaro com palavras vãs, de lágrimas vermelhas o meu rosto se inunda. Já a tranquilidade se foi, sem dizer adeus, sem olhar para trás. Assim farei também quando partires. Sem olhar para trás, dir-te-ei adeus de olhos fechados. Vai. Mas, antes, deixa-me rasgar o espaço que há entre nós. Não voltes, se te chamar. Vai, e leva contigo a ilusão. Prometo esquecer-te, na dor do meu coração.

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